Nenhuma das globalizações
levadas a efeito pelo historicismo conseguiu eliminar da vida social
aquilo que lhe é intrínseco: a afirmação das sociedades regionais
e o desenvolvimento das instituições municipais. A globalização
corresponde a um modelo de organização material, mas é incapaz de
deter o curso da vida e a expansão criativa daqueles que se associam
em nome de uma nova conquista social.
Na região
centro sul do Ceará, entre meados do século dezoito e final do
século dezenove, firmou-se uma de nossas melhores civilizações,
cuja capital localizou-se na velha Princesa do Salgado, a malsinada
terra dos Augustos e do oráculo de São Vicente Ferrer.
Ao seu
redor, várias comunidades foram surgindo e se afirmando a partir de
capelas e oratórios, construídos por núcleos civilizatórios de
caráter parental, com o fim de preservar a religião católica
romana e expandir o poder político do Império.
A Povoação
da Venda, hoje município de Aurora, é um desses núcleos
civilizatórios a que me referido. Liga-se à cidade de Lavras da
Mangabeira pelo duto cavado pelo Rio Salgado e é recortada por vales
e baixos que fariam a glória
de qualquer comuna
cearense.
Surgiu do
oratório ali levantado pelo Padre Antônio Leite de Oliveira, que em
torno de si, a um só tempo, reunia as condições de pastor,
proprietário, criador e reprodutor da gênese humana que se foi
expandindo para toda a região do Cariri.
Vários
acontecimentos históricos fizeram de Aurora uma comuna bastante
conhecida em todo o Ceará. Cito o rumoroso caso das Minas do Coxá e
as agitações que cominaram com a Questão do Oito,
especialmente porque esses episódios foram escritos com sangue e com
o tecido de diversos conflitos que se tornaram traços da história
de toda a região.
Aurora
também se destaca por ser Pátria de Aldemir Martins e Hermenegildo
de Sá Cavalcante e por ser a Terra Natal de Paulo Quezado e Lúcio
Brasileiro, e por estar vinculada à história de Marica Macedo do
Tipy, a brava cearense que enfrentou a polícia de Nogueira Accioly e
se fez respeitada para além da sua região.
Os
historiadores do Sul do Ceará sempre se referiram a Aurora com
entusiasmo, alguns condenando o seu banditismo, outros louvando a sua
tradição ou exaltando a sua história gravada com fogo e heroísmo,
outros ainda destacando a sua vocação econômica e social; mas
nenhum deles pensou em Aurora como personagem principal ou como boca
de cena de uma grande narrativa.
O
território de Aurora, enquanto objeto de pesquisa, agora está
minado, e já não tem como ser diferente, pois João Tavares Félix
Júnior assumiu a condição de arauto da história de Aurora, a
condição de seu pesquisador, privilegiando o seu burgo e a sua
gente com a abertura de uma grande janela, voltada para a memória e
para o registro de caráter cultural.
Um método
escolheu o autor para o registro da sua narrativa: a cronologia dos
acontecimentos, com destaque para a louvação do calendário
histórico e para a verificação apodítica, fazendo da história de
Aurora uma ciência de grande interesse acadêmico, porque permeada
pelos fatos e comprovada pelo rigor da pesquisa.
Venda
Grande D’aurora (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2012) é um
livro que já nasce aberto para a louvação, pois foi escrito a
partir de uma linguagem vigorosa, e com a paixão e o denodo dos que
querem tomar a história em suas mãos, fazendo do sentido da vida a
sua experiência.
Trata-se, no
caso do autor desse livro, de um historiador que sabe respeitar as
suas linhas de pesquisas, que tem a história do Cariri gravada no
seu sangue e o orbe do Salgado insculpido na sua consciência.
Não me
compete neste texto fazer a apresentação do autor nem resumir para
o leitor a vertente dos acontecimentos. Cumpre-me, isto sim, falar da
importância deste livro, da sua precisão histórica e da sua
utilidade para os aurorenses e para os historiadores de todo o Ceará.
Honrou-me o
autor com o convite para escrever o prefácio desse livro, mas o que
ele fez, em essência, foi homenagear a sua terra e distinguir a sua
gente qual a espécime da raça cearense que ainda faz o Ceará
renascer, pela tradição do seu povo e pelas lições de vida e de
história que deu ao Nordeste do Brasil.