O que aconteceu contigo,
minha pequena cidade, postada às margens do Salgado? Porque tanta tristeza? O
que fizeram a ti, ó princesa formosa, mulher banhada com as águas desse Rio que
não apenas rega as tuas terras como lava a alma dos teus filhos.
Antes tu eras alegre, formosa
e viçosa, com teus casarões antigos, tuas casas que, por mais simples que
fossem, tinham no alto das janelas a marca registrada dos seus moradores. Agora
resta pouco do teu passado glorioso.
Não sei com que propósito
querem apagar tua história registrada nas paredes, no chão e na paisagem urbana;
e teus primeiros sinais de vida.
Lembro saudosa das tuas calçadas lotadas de cadeiras
na boca da noite, esperando a chega do vento do Aracati; lembro-me das tuas
ruas cheias de crianças a correr e a gritar ao vento como se tu fosses surda;
lembro-me dos banhos matinais na barragem e dos piqueniques aos domingos no
Boqueirão, na Volta e no Gueguéu.
Onde foram parar as tuas lendas e as
tradições seculares? Nada disso acontece mais, e não te reconheço. O que
aconteceu a nossa cidade que vivia em eterno movimento? Porque se entristeceu a
Velha Princesa do Salgado?
E porque ninguém faz nada para
te tirar dessa agonia, dessa angústia e dessa melancolia que te invade. Cadê
tuas crianças nas ruas? E os velhos e divertidos circos que outrora alegravam
tuas noites? As quermesses e leilões de São Vicente Ferrer realizados pelo
nosso saudoso Padre Alzir?
Pobre
de ti, torrão querido, que não resistisses ao tempo, ao furor dos teus destruidores,
às camadas negras de asfalto com que tentam silenciar a tua liberdade. Agora que te cobriram de luto para mostrar a indiferença
que nutriam por ti, sei que estás sufocada tentando existir.
E tu que eras conhecida pelo nome de Princesa
do Salgado, hoje tu és a Cidade Morta de todas as paixões, de todos os
fervores, e de todos os sentimentos dos teus filhos que se fizeram poetas para
hoje chorar a tua passível destruição.