Dimas Macedo, avis rara polifônica no cenário literário brasileiro. Seu pontificado exsurge em três dimensões da criação e do conhecimento. Rebento nascido na ribeira do Salgado, pia sagrada em meio a natureza adusta dos vales secos dos sertões de Lavras da Mangabeira, Dimas foi batizado nas águas claras do Boqueirão, emergindo daí como poeta benzido e sacramentado sob as graças de São Vicente Férrer, aquele que fazia parar as coisas com um simples olhar no intuito de alargar o sonho e a imaginação dos transeuntes assombrados com os desígnios dos céus; adulto, a cantar medos e angústias de par com algumas alegrias, em promessa de solidariedade com o seu povo, o poeta se fez crítico e empunhando o anzol próprio dos pescadores de palavras, fez do verso verbo para fisgar o imaginado e contar sobre tudo o que encanta, e destrinchar os caminhos e descaminhos da literatura brasileira, especialmente da cearense; não satisfeito com os mergulhos nos rios da poesia e da crítica literária, ambos caudalosos, Dimas vai desaguar no oceano das perquirições jurídicas, Quixote de fazeres acadêmicos, no afã de desvendar as teias de injustiça que movem o mundo.
Bem sabe ele que ao contrário da limpidez das águas que correm em sua sempre querida Lavras da Mangabeira, urbe grandiosa para o seu olhar eternamente enamorado, o mar da vida de quem arrosta os cenários de injustiça que presidem os destinos e desmantelos do mundo, é mar sempre revolto. É como diz o poeta Álvaro Martins: “O mar tem fundos arcanos/ abismos desconhecidos/ profundos como os gemidos/ dos desesperos humanos”. Mas, pelo até aqui visto, não há arcanos, nem abismos, nem gemidos, nem desesperos que impeçam Dimas Macedo de seguir desbravando céus e terras e mares, ainda que nunca dantes percorridos ou navegados, para lembrar o cantar camoniano.
O poeta
Dimas Macedo, o poeta, é refinado esteta cujo trabalho criativo resulta do idílio inato pelos sons e ritmos que vêm da alma, aquela transcendente inspiração arrimada no cotidiano das coisas, que milagrosa e inexplicavelmente penetra na forma do verso e o eleva à divinização da Arte, a um tempo mais alta e mais profunda. Ao tecer os ritmos de uma canção que se faz presente e inalcançável como os sentidos do êxtase, a poesia de Dimas Macedo flui grávida de telurismo e transcendência, de vivência e fluidez, é palpável e diáfana, feita de insondável imanência que se perpetua na retina dos olhos e nos olhos da alma em átimos de segundos.
Uma arte que não emociona é simbologia sem afeto. Tal é impossível na poesia de Dimas Macedo, porque ela é enigma, desejo, metáfora manifesta, expressão reflexiva, o elegíaco e o telúrico, pulsações do ser que vive as saudades imensas dos tempos vividos na Lavras da Mangabeira, lugar idílico onde ainda hoje o poeta, na mais doce das ilusões, pratica o seu eterno retorno. A ontologia poética desse operário de “mãos calejadas de versos” é feita de recordações e assenta-se num humanismo místico que marca profundamente a essência das coisas visíveis e palpáveis, transmudando-as em elementos que se incorporam às impressões abstratas e às indagações metafísicas.
O crítico
Dimas é um investigador, um garimpador, arqueólogo de ideias e formas. Analisa, esmiuça, desarticula, disseca os elementos de uma obra literária sem escoimá-la do seu espírito, para que, é certo, não venha a padecer de morte injusta nas mãos de lúcido crítico. Quem conhece a escritura crítica de Dimas Macedo sabe que ao fazer a vivissecção de uma obra literária, ele tem em mente vasculhar todo o complexo arsenal linguístico e comunicacional do autor sob seu olhar; as vivências, emoções e todo o cenário intelectual de onde resultou o texto submetido ao crivo da crítica, sem olvidar, é claro, os conteúdos temáticos, as feições estéticas, tanto os formalismos como as realidades profundas da obra literária.
Em razão dessa capacidade opinativa, dos imensos conhecimentos da técnica literária de que é posuidor, do feeling que lhe permite sondar a alma do texto, é que Dimas Macedo tornou-se um dos mais respeitáveis nomes da crítica literária no Brasil. Aliás, um dos poucos nomes que ainda atuam com entusiasmo nessa tão difícil quanto ingrata área do saber acadêmico. Na condição de mestre da crítica, igualmente Aristóteles em sua Poética, Dimas não deseja ensinar aos literatos como proceder em sua profissão, mas como o público compreender melhor o ofício de escrever, sem esquecer, como afirmam os brâmanes, que a escrita é o instrumento daqueles que querem conservar o privilégio do saber, mas também daqueles cujo espírito se desliga das dimensões temporais.
O jurista
Homem de rigorosa formação humanista, não foi difícil ao poeta Dimas Macedo fazer da Ciência do Direito um dos pilares de sua trajetória profissional. Sem apetência para as lides advocatícias, assomou em seu rico e vasto currículo o expert nos temas constitucionais, alteando-se nessa seara “como propedeuta dos mais ímpares do Direito Constitucional, disciplina que tem lecionado com desenvoltura na graduação e na pós-gradução”, consoante testemunha o professor Otávio Luiz Rodrigues Júnior, para quem DimasMacedo “é, sem favor, um nome que honra a melhor tradição jurídica da Faculdade de Direito do Ceará”. Com efeito, não é demais dizer que o poeta se fez jurista dos mais brilhantes, porque mestre que une talento e dedicação à pesquisa e ao estudo, para oferecer a alunos e leitores as libações derramadas de sua sabedoria e de seu largo coração de humanista insuperável no exercício da cidadania e da análise percuciente e da crítica serena.
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