O carrossel da vida, o encarrilhamento
das obrigações diárias, o acorrentamento à necessidade de cumprir prazos, o
imperativo dos compromissos profissionais, a inafastabilidade da peleja
permanente pela sobrevivência – constituem invariavelmente óbice à
imprescindível abertura das asas da alma à liberdade do voo.
Por óbvio, isso nos impede de
mirar seres, coisas, objetos e pessoas sem as peles artificiais que as
revestem. O tsunami das convenções grupais é tão violento que faz submergir
qualquer ilha de resistência ao roldão do lugar comum. Somos todos arrastados
pelas caudalosas ondas que lavam o cérebro da coletividade. Pensamos conforme
nos orienta a cartilha do grupo ao qual estamos filiados. Agimos segundo seu
fascículo conceitual. Rezamos em sintonia com aquele catecismo imposto pelo
núcleo religioso cujo fio de fé professamos.
Nesses tempos açoitados pelos
efeitos de campanha eleitoral aflora a convicção de que a política é uma das
arenas em que mais veementemente explode esse ímpeto gladiador alimentado pela
passionalidade. Tornamo-nos instrumentos desse combustível fóssil extraído do
poço tubular raso dos interesses.
Deixamos de observar valores simplesmente
porque quem os exibe não está na arquibancada do nosso time. Olvidamos de ressaltar
virtudes em razão dos protagonistas utilizarem carteiras de filiação
diferenciadas da nossa. Descuramos reconhecer méritos em razão da origem ideológica
de quem os ostenta.
Ninguém imagina quão grato
fico quando recebo um telefonema cobrando a escritura de uma Crônica. É que
essa doce e solitária faina laboral no roçado germinal das letras me obriga a
pensar, silenciar, meditar e sopesar. Impulsiona-me a deixar a caverna do
cotidiano embaçador e perscrutar o vaga-lume do sonho. Força-me a mirar de
frente o sol!
E, mirando a clareza solar, sentir o
aroma inebriante do arco-íris da liberdade! Mergulhar entre os balseiros da
essencialidade!
O fato é que, desse
espaço introspectivo, às vezes fico impressionado com a fúria descomunal, a
acidez verbal, o hálito de fogo que alguns costumam exalar no movimento de um
prélio urnístico. Por que tanta dificuldade em controlar o tigre interior?
Nessa esteira, vez por outra,
quando o nosso terreiro é iluminado por um relâmpago de lucidez, nos indagamos:
temos mesmo que nos deixar levar pela correnteza do mundo? É inevitável sermos
alcançado por esse redemoinho?
Consideremos que a resposta
seja NÃO!
Consideremos a possibilidade de
retirarmos a blusa. Caminharmos, cabelo ao vento, embalados pela sinfonia da
natureza, sem chapéu, sem óculos, sem metal e sem enfeites. Contemplarmos a
gratuidade mágica de pisar na terra nua, molhar os pés no primeiro pingo d’água
encontrado.
Consideremos a alternativa de nos
abstermos de pronunciar palavras vãs. Fazermos uma pausa na batalha. Contermos
o espírito de contenda e apenas esparramarmos o átomo da admiração para
festejar a querida presença da generosidade no nosso entorno.
Consideremos a abertura de uma
concessão à benevolência. Consideremos compartilhar uma refeição temperada com
os ingredientes da tolerância.
Consideremos, por fim, um gesto
de afeto ao despojamento total, a busca de uma maior intimidade com o desapego.
Consideremos uma inflexão rumo à sensibilidade, o ato heróico de admitir a
ternura em nosso dia a dia.
Consideremos mirar o Sol
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