Isto de isenção absoluta em matéria de assuntos humanos já se
sabe em definitivo que não existe. Na historiografia também acontece do mesmo
jeito. Desde a seleção do tema a ser abordado, aos métodos adotados, em tudo
por tudo o autor põe sua capacidade de escolha, a demonstrar o quanto difícil
será fugir da participação pessoal naquilo de que trata. Tem sido assim desde
que o primeiro homem se deteve na investigação da história, e de certeza assim
continuará pelo correr dos séculos adentro. Aonde tocar, ali nascerá nova
história, por mais que intente aprofundar os temas e as versões que os enquadram.
O que fará a diferença serão o esmero e a diligência dessas abordagens. O
afinco e a seriedade com que mergulhar naquilo que recolhe de depoimentos,
documentos, interpretações anteriores, peças e materiais encontrados na fria
matemática de aproximação dos esforços.
Cristina Couto compõe esse quadro de seriedade no trato dos
compostos da história de Lavras da Mangabeira. Juntamente com Joaryvar Macedo,
Melquíades Pinto Paiva, Batista de Lima, Dimas Macedo e João Tavares Calixto
Junior, que formam o panteão dos historiógrafos a primar em recolher com
carinho e acendrado amor peças raras do passado dessa comuna interiorana do
Ceará, reconhecidamente rico em característica antropológicas, etnográficas e
históricas do período feudal nordestino brasileiro, e delas formam o que restou
de nossos registros em verdadeiras obras literárias da maior importância do
ponto de vista das ciências sociais, durante todo tempo. Há uma legenda de que
Lavras detém largo número per capita de intelectuais e artistas além da média
dos demais rincões do Estado, o que a situam dentre os lugares privilegiados
neste conceito. E seus historiógrafos bem caracterizam tais pretensões,
sobretudo no que tange ao zelo e a
qualidade do que produzem.
Este trabalho de Cristina agora, mais uma vez, demonstra a
largas tais considerações. No que diz respeito ao trágico Episódio de Princesa,
na Paraíba, que envolveu o primeiro dos netos de Dona Fideralina, a matriarca
de quatro costados das Lavras e dos Augustos, a autora encetou pesquisa
inolvidável, digna dos grandes missionários da investigação histórica, indo bem
dentro das profundidas
possíveis daquilo que quis conhecer e reunir. Abriu mão das comodidades
rotineiras, viajou aos lugares dos acontecimentos, visitou familiares dos
principais personagens, avassalou nas matérias anteriores, vasculhou os
documentos oficiais do processo, interpretou coerentemente livros, jornais e
revistas que abordaram, à época, o polêmico assunto, e produziu texto admirável
pela clareza e totalidade daquilo em que sentiu o dever científico de bem
informar o leitor, dada a sua qualificação acadêmica de propiciar à posteridade
uma visão crítica da momentosa e tão traumática ocorrência envolvendo o médico
cearense Ildefonso Augusto de Lacerda Leite.
Além do mais, Cristina Couto possui um texto escorreito,
prático e fluente, ao estilo dos bons romancistas, no que prima enfeixar e
desenvolver os subsídios que localizara no decorrer da longa caminhada,
relíquias ainda existentes quanto ao incidente histórico e suas inevitáveis
consequências pessoais e sociais.
Outra vez está de parabéns a cultura histórica do Ceará,
quiçá do Brasil, com a maturação desta escritora e da sua produção científica,
motivo da melhor justiça aos que ora se debruçam em conhecer o seu apreciável
trabalho.
Emerson
Monteiro
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