O Jornalismo no interior da Província do Ceará surgiu com a publicação
na metade do decênio de 1850, do impresso O Araripe (1855-1864), jornal
de cunho liberal de grande notoriedade, redigido e publicado por João Brígido
dos Santos, político e jornalista de ampla atuação. Segundo Nobre (2006), é
considerado até hoje, uma das maiores expressões da referida atividade no
Brasil, superando qualquer outro jornal cearense.
Através das páginas de O Araripe, Brígido escreveu e
publicou também documentos e apontamentos sobre fatos do passado, artigos sobre
os homens e episódios ocorridos na zona meridional do Ceará (ALVES, 2010).
Dentre os fatos, alguns passados em Lavras da Mangabeira, à época, Vila das
Lavras, mentoreada já pelo clã dos Augustos, hegemonia que perdurou por cerca
de um século.
Ressaltemos aqui, sem prolegômenos, o que noticia o periódico cratense
em 1857 (nº 37, p. 3), acerca de persistente querela entre o então Vigário
Colado de Lavras, Padre Luis Antônio Marques da Silva Guimarães (Padre Luis do
Calabaço), e o então Delegado de Polícia local, Ildefonso Correia Lima, em nota
publicada a pedido do Sacerdote, endereçada ao Presidente da Província:
Não podendo eu
soffrer a persiguição atrós, que me fez o delegado dessa Villa, Ildefonso
Correia Lima, vou queixar-me a V. Exc. e o motivo passo a expôr. Não merecendo
eu as simpathias desta authoridade, pelo simples facto de pertencer á
opposição, tem este persiguido meos moradores com recrutamento, mandando
escoltar os casados, que vivem em vida marital, os filhos unicos de lavradores,
que tem isenção da lei, só com o fim de saciar odio, que contra mim tem, e
muito mais aquelles que commigo votarão, dando isto lugar, Exm. Sr., a que andem
foragidos pelo matto os meos trabalhadores, soffrendo assim a agricultura. V.
Exc. conhece mui bem quanto esta industria tem deminuido com a falta dos
escravos, e que indispensavelmente se fasem precisos braços livres,
principalmente a mim, que trabalho em quatro sitios differentes, em cada um dos
quaes já tenho engenho de moer canas, esforço este bastante pesado; e vivendo
eu Exm. Sr. com meos moradores persiguidos da policia, que lucro tirarei e
elles para manterem suas familias e pagar de disimo 300$ a 400$ rs. annuaes?
Exm. Sr. a vida
sedentaria, em que era ocupado, como vigário desta freguesia, me tendo feito
adquerir a molestia Diabetis, fui aconselhado pelos médicos a que viesse para o
campo, afim de transpirar com o trabalho, e com licença do Rd. Visitador me
acho no sítio Calabaça legoa e meia da Villa, onde me é preciso ter por meos
moradores homens, que usão do trabalho ex vi de que tenho nelle um engenho alem
dos tres outros ja mencionados, e nestas circunstancias a policia só acha a
elles para seos desabafos, mandando um individuo de nome João Francisco, meo
desafecto cercar as suas casas à meia noite abrindo portas e entrando pelo
interior das casas allumiando-as com fachos pelos quartos e assoalhos, que os
camponeses costumão faser em suas cabanas para deposito de seos legumes: não
respeitando mesmo as famílias em seos agasalhos, como as senhoras de casa e
suas filhinhas môças. Entretanto a nada se move essa authoridade não
respeitando nem a lei, que prohibe correr casas à noite, nem o sagrado das
famílias.
Por tanto Exm. Sr.,
imploro a V. Exc. dê remedio a essas persiguições com que desde março não
cessão de me faser todo o mal. Tudo provarei, se necessario for. Deos Guarde
& ampare. Engenho Calabaça, 26 de Janeiro de 1857. Illm. e Exm. Sr. Dr.
Francisco Chavier Paes Barreto, Presidente da Província. O Vigário Luis Antônio
Marques da Silva Guimarães.
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Frisemos, por ser relevante, a exposição do motivo alegado
pelo Sacerdote Paraibano em residir no sítio Calabaço: Indicação médica de se
"exercitar na roça", por ser vítima de diabetes. É verdadeiro, porém,
que o levita residiu por muito tempo em um sobrado ainda hoje existente próximo
à confluência do Riacho das Emas com o Riacho do Rosário, nas férteis terras de
São Vicente das Lavras, onde desfrutou de vita marital, e foi pai de cinco
filhos, o que consta nos autos de seu testamento. Poderia ter sido este,
portanto, um motivo mais "intenso" de se morar no Calabaço e não na
Casa Paroquial na sede da Vila das Lavras.
Podiam-se constatar em outros noticiários da época, evidências sobre as
pendengas políticas entre o Padre e o então delegado de Lavras, Ildefonso
Correia Lima, conforme, um colecionador de adversários, esposo da
lendária Fideralina Augusto Lima. Admitindo-se o predito, atentemos ao que
comenta O Araripe em correspondência redigida por "O
Lavrense" de 12 de janeiro de 1857, enviada ao Redator do Jornal Caririense:
Me é preciso diser-lhe
que não tinha vistas algumas de occupar as paginas de seu conceituado jornal, e
a rasão puderosa e forte para assim o faser é minha fraca e limitada
intelligencia; porem, sr. Redactor, chegando me ás mãos uma folha do Pedro 2º
cujo numero ignoro (que um meu amigo fes me o especial favor de mandar me) vi um
(ilegível) em título de correspondencia sem nenhum estilo, sem encadiamento de
ideias, com erros de Retorica, Grammatica, e Orthografia; em fim obra que
mostra evidentemente quem seja o seu dono - sendo a sua epigrafe um dos membros
da família Favella. Antes pois de entrar na analyse dos factos da
correspondencia desse Favella é da mais estreita precisão declarar ao publico
sensato quem foi este Favella e quem é a sua decendencia. Esse herói foi um
pobre matuto, q' morava no Riacho do Machado, alli vivia lutando com a fome com
a miseria, e com a nudez, o Major João Carlos Augusto compadecendo-se delle
chamou-o para esta Villa e obteve para elle o lugar de Delegado, o qual não
soube desempenhar, porque a sua vida publica foi uma serie de corrupção não
interrompida.
Pela morte desse
Delegado succedeu seu Sobrinho Ildefonso Correia Lima: este matuto não só aqui
como na Cidade de Icó serve de espetaculo publico pelos seus continuados
desfrutes, é um individuo bastante pobre, e dis que está muito bem, que tem muitos
contos de reis, e com toda esta fortuna colossal apenas toma no Icó, a credito,
um conto e poucos mil reis. Se elle não tivesse casado com uma filha do Major
João Carlos estaria redusido a sua triste condição de 1848 - 1849, que era
vender nos sambas garrafinhas de aguardente enfiadas estas na ponta de uma
tualha. Chega a tal o estado de sua desmoralisação neste lugar, que um negro
desta Villa de nome José Branco contou-o na folha chamando-o mentiroso. É pois
a um homem destes que o Governo encarrega de grande puder de prender e
processar. Temos mais aqui um membro da família Favella, o qual é Sub-delegado
, e muitissimo conhecido pelo Vicente Burundanga, este espoleta tem sido muitas
veses sensurado no Cearense e
as qualidades que o cercam são a crapula, a devassidão, a corrupção, a trapaça,
a manha e a velhacaria. Agora passo a responder os factos da correspondencia
desse Favella. Diz elle que nesta Villa tem quatro chimangos sem familia, sem
prestigios, e sem fortuna, um deste é o Tenente Coronel José Joaquim da Silva
Brasil, cidadão muitissimo respeitável, bem conhecido nesta Província nascido
no Icó, e filho legítimo de paes ilustres e que tem prestado relevantes
serviços no estado nas commoções políticas, como fosse em 17, 21, e 32, e tem
occupado alem disto os empregos mais vantajosos no município em que mora, cujos
empregos tem sabido desempenhar com toda honradêz, e dignidade e bastante
actividade; o segundo de que trata-se, é o ajudante José de Sousa Mattos,
este benemerito cidadão é muitissimo conhecido nesta província pelos seus
precedentes honrosos, dedicou-se a carreira militar, prestou bastantes serviços
a Patria e ao Estado. O terceiro é o Vigario collado desta Freguesia Luis
Antônio Marques da Silva Guimarães, homem este bastante rico e de uma posição
elevada, a sua família é uma das primeiras da província da Parahyba, os seus
manos o Vigário José Antônio, e o Dr. Açanã, passão por uma das illustrações
daquella província. O quarto que menciona-se que é filho do Rio do Peixe e que
é bem conhecido pela sua família do Umary, esta pessoa responde-vos que não o
enxerga, e nem o ouve, e que só se lembra deste membro Favella, assim como
lembra dos porcos quando os incontra na rua; que para não o imporcalhar da-lhe
com os saltos dos botins nas ventas. São estes infelises e manivellas que tem a
coragem de quererem menoscabar a reputação de homens que tem sabido adquirir em
tempos e epochas em que o espírito da corrupção se tem mais estendido. Não
quero ser mais infadonho aos meus leitores e por isto quero findar esta no
firme propósito de não dar o menor cavaco a estes desgraçados, o que se agora
faço foi em satisfação ao publico, pois acosto-me a maxima do Marquês de
Maricá, - quem disputa com a canalha fica a nível com ella. Tenha pois a
bondade de inserir estas linhas que são de seu constante leitor. O Lavrense.
Enfatizemos o que comenta O Cearense de 4 de abril de
1856 (p. 4), no quadro Notícias da
Província, acerca do famigerado Padre Luis Antônio Marques, figura
emblemática dessa fase provinciana regional: “O vigário de Lavras o revd. Luis
Antônio Marques da Silva Guimarães acaba de ser insultado em sua própria matriz
por uma sedição promovida pela autoridades policiais, tirando-lhe a chave da
matriz, e passando a outro sacerdote, a quem investirão de jurisdição
paroquial” (CALIXTO JÚNIOR, 2012).
Como visto, eram frequentes as notícias e acusações por divergências
políticas nas edições dos jornais regionais, sobretudo no liberal O
Araripe. Para Alves (2010), tornou-se perceptível em vários números do
periódico cratense, o cuidado em rebater as ofensas feitas pelos políticos de
cunho conservador através de outro jornal regional, a Gazeta do Cariri, bem assim como o de publicar em seus números (O Araripe), insultos e comentários sobre
os artigos publicados pelos oponentes.
Desta forma, os jornais haviam se tornado espaços em que os políticos não
apenas discutiam seus projetos, já que se acusavam mutuamente e expunham
naquele meio, respectivas representações acerca da índole e dos comportamentos
particulares de personagens que, por condescendência, a própria história fez
questão de omitir.
Referências Bibliográficas:
ALVES, Maria Daniele. Desejos de civilização. representações
liberais no jornal O Araripe 1855-1864. Dissertação
(Mestrado em História e Cultura). Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza,
2010.
CALIXTO JÚNIOR, João Tavares. Venda Grande d'Aurora. Expressão
Gráfica e Editora, Fortaleza, 2012.
NOBRE, Geraldo. Introdução à História do Jornalismo Cearense. Edições
NUDOC. Departamento de História - UFC. Fortaleza, 2006.
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